Transformar a dor em arte é um gesto de resistência, e é justamente isso que move Thiago Romaro em seu novo lançamento. O cantor e compositor apresenta “Lamento”, single e videoclipe que chegam às plataformas digitais nesta sexta-feira (7), pela Marã Música. A canção, melancólica e ao mesmo tempo esperançosa, nasceu de uma tarde de fevereiro em que Romaro refletia sobre as guerras na Ucrânia e em Gaza enquanto o carnaval ecoava pelas ruas. O contraste entre o caos e a celebração virou verso e melodia: “O mundo tá em guerra, mas a gente vai pra rua, chegou mais um carnaval”, canta o artista.
Gravada no Estúdio Mínimo e produzida por Márcio Lugó, a faixa mistura influências do folk e das grandes baladas de protesto, evocando nomes como Bob Dylan, Caetano Veloso e Belchior. No videoclipe, dirigido por Thiago de Mello, o cenário de casas demolidas e do antigo casarão onde o músico vive na Vila Mariana ganha simbolismo, reflexo de um mundo em transformação, entre escombros e recomeços.
Em conversa com a Energy Mag, Romaro fala sobre o processo criativo de “Lamento”, as mudanças ao seu redor, suas influências e a importância de manter viva a esperança através da música.
Confira a entrevista:

Foto: Rita Frazão
“Lamento” fala sobre um mundo em guerra, mas também sobre esperança. Como nasceu essa música e o que te inspirou a escrevê-la?
Numa manhã preguiçosa no domingo de carnaval deste ano, enquanto me preparava para mais um dia de bloco de rua aqui em São Paulo, abri o jornal já esperando as manchetes das guerras. Resolvi não ler, não naquele dia, então peguei o violão e comecei a cantarolar em cima de uns acordes aquilo que virou o refrão de “Lamento” “O mundo tá em guerra mas a gente vai pra rua, chegou mais um carnaval”.
A partir dali comecei a criar os outros versos, a música começa falando de outros tempos, lá nos anos noventa, começo dos dois mil, quando o mundo parecia que caminhava pra uma história mais feliz, era o que nos vendiam, pelo menos, e nós, jovens e ingênuos, acreditávamos. Era o fim da história, diziam, um mundo pós guerra, global, com as nações cooperando e que caminharia naturalmente para tempos sem fome, criavam-se festivais para erradicar a pobreza na África, e eu, montava minha primeira banda com sonhos de um dia ser um rock star e contribuir com o bem estar no mundo.
A banda, que alguns devem conhecer, era o Envydust e, ela cresceu na cena underground nacional. Eram tempos que a gente focava em letras sobre questões existenciais, se os problemas sociais caminhavam para um final feliz, era sobre o que sentem os indivíduos que precisávamos falar.
Hoje, mais de vinte anos depois, olho pra trás e as coisas não foram do jeito que acreditávamos. O mundo tá em guerra, a ordem mundial mudando, países sendo governados por pessoas com discursos intolerantes e, se eu já não sonho mais em ser uma estrela numa banda de rock, continuo precisando escrever e cantar, e cantar também sobre essas coisas.
Porque se tem uma coisa que acredito ser essencial pra dar sentido à nossa caminhada na terra é ter esperança na humanidade, continuar acreditando e poder falar sobre aquilo que deve ser denunciado, repudiado. É compondo canções como o “Lamento” e sabendo que, apesar de tudo, o carnaval sempre vem, que eu me encho de esperança e sigo acreditando em dias melhores no porvir.
O clipe foi gravado em lugares que estão mudando, como o casarão onde você mora e casas demolidas. Por que escolheu esses cenários?
Moro, como vc disse, nos fundos de um casarão centenário aqui na Vila Mariana, por fora, a pintura descascada e os portões enferrujados dão a impressão de uma casa mal assombrada, ou abandonada, mas, na verdade ela pulsa por dentro, somos em 5 moradores, e mais 4 cachorros, tem um quintal com jabuticabeira e outras árvores e constantemente recebemos visitas de maritacas, pica-paus, e outros pássaros coloridos, nem parece que estamos em São Paulo.
Mas, assim como o mundo, o bairro está mudando também, construtoras estão comprando e demolindo quarteirões e quarteirões aqui do bairro para subir novos empreendimentos. Trazer o “progresso”. E a cada semana novos escombros viram a paisagem que parecem com os cenários das cidades destruídas que vemos nas fotos das guerras, seja na Ucrânia, ou em Gaza.
O casarão não escapou, está vendido e em algum momento do ano que vem receberemos o aviso de que é hora de se mudar, ele vai, infelizmente, ser derrubado. Mas bom, isso dito, quando compus lamento e comecei a gravar, mandei a música ainda pré produzida pro meu amigo Thiago de Mello que é um artista do audiovisual e ele me respondeu, cara, vamos filmar um clipe? Obviamente gostei da ideia, e comecei a pensar em como poderíamos passar pra imagens as sensações da música. De cara pensei: “e se contássemos a história do casarão e junto uma história de amor de um casal que habita esse lugar?”
E assim fizemos, as cenas dos escombros gravamos num ex pão de açúcar da Pompeia que também foi demolido para virar prédio, fizemos meio na guerrilha, esperávamos os últimos funcionários saírem da demolição, ali por volta das 17h da tarde, e aproveitamos o pôr-do-sol. Conseguimos fazer as imagens em dois dias, depois já tinham colocado tapumes e então viemos filmar as cenas da casa, a atriz que participa, a Dayana Pedrosa, também é moradora do casarão, na verdade era no momento do clipe, as coisas vão mudando e a Day, que é de Recife, acabou de voltar pra lá.
Acho que escolhi esses cenários porque eles contam um pouco das coisas que vêm me afligindo nesses tempos, Lamento é uma música também autobiográfica, e o clipe mostra os contrastes do mundo interno e o externo que é sobre o que ando lamentando.

Foto: Rita Frazão
A faixa tem uma pegada folk e lembra as grandes canções de protesto. Quais artistas te influenciaram nesse som?
Quando entrei em estúdio eu que queria que a canção soasse com os rocks dos anos 70, mais especificamente com as coisas do Bob Dylan que estava, junto com tantos outros, protestando contra a guerra do Vietnã. Janis joplin, Jimmy Hendrix… Era essa a pegada que eu queria dar na música, com um arranjo rock, baixo, guitarra, bateria e coros, que foram gravados pela Malu Maria. Não posso deixar de mencionar também o Caetano Veloso, porque a letra tem referências diretas à “tigresa” onde ele fala da manhã que nasce azul e de como é bom poder correr pro violão num lamento, daí vem o nome da minha canção. Me inspiro também em “Lamento” em outros artistas do Brasil, que lá também nos anos 70 estavam, do jeito que dava, protestando contra a ditadura e lutando, com palavras e esperança, por um mundo melhor, Geraldo Vandré, Belchior, Gil, entre tantos outros.
Você diz que “Lamento” é triste, mas esperançosa. O que você espera que as pessoas sintam quando ouvirem a música e assistirem ao clipe?
Vejo lamento como uma crônica musicada, que fala de como pode ser doloroso olhar pra trás e ver o que poderíamos ter nos tornado e o que realmente nos tornamos, como pessoas e como sociedade global. Ao mesmo tempo “Lamento” também fala de que apesar disso podemos e devemos nos permitir sorrir, pular o carnaval e seguir, e que talvez o mundo não tenha dado certo “ainda”, mas que não podemos desistir dele e nem de acreditar. Acho que é isso que eu gostaria de transmitir pra quem escuta o lamento.

