Mon. Jun 23rd, 2025

A jovem atriz brasileira Mariana Lewis, que coleciona muitos prêmios e indicações em diferentes festivais pelo mundo, vivenciou recentemente novas experiências nos palcos do Silk Street Theater, teatro localizado no prestigiado Barbican, centro cultural e artístico de Londres. Atualmente estudando na prestigiada escola de drama Guildhall School of Music & Drama, ela integra o elenco da peça “The Winter’s Tale“, de William Shakespeare, montagem que faz parte de seu currículo acadêmico.

No palco do projeto ela interpreta dois personagens distintos: Mamillius, um menino de 8 anos, e Perdita, uma jovem de 17 anos. Ambos são filhos do Rei Leontes e da Rainha Hermione na trama shakespeariana. A transformação de Mariana entre os atos surpreende o público, que a vê encarnar um garoto franzino no primeiro ato e, no segundo, retorna como Perdita, exibindo uma presença completamente distinta e cativante.

Essa produção marca o terceiro trabalho de Mariana com peças de Shakespeare, consolidando sua afinidade com o universo do renomado dramaturgo inglês. Sua história na atuação começou cedo, e aos 14 anos, ela já interpretava Lady Macbeth na série “Macbeth: O Rei do Morro”, uma releitura contemporânea do clássico. Sua performance impressionante lhe rendeu diversos prêmios de melhor atriz, destacando seu talento e versatilidade. 

Recentemente, Mariana voltou a interpretar uma personagem icônica de Shakespeare ao dar vida a Cordélia, a filha mais jovem do Rei Lear, na série “Queen Lear”. A produção, disponível no Amazon Prime Internacional, conta com o protagonismo de Claudia Alencar e vem conquistando espaço em diferentes festivais pelo mundo.

Em entrevista, ela conta detalhes sobre o trabalho: 

Como foi dar vida a dois personagens tão distintos em uma única obra teatral?

Foi um grande desafio interpretar dois personagens como eles, mas também uma oportunidade maravilhosa de explorar minha atuação. Mamillius e Perdita são personagens completamente distintos, e a transição entre eles exige um cuidado na construção das personalidades e gestos. Foi emocionante vivenciar essa mudança”, conta Mariana.

Como é para ti, dar vida a um personagem de Shakespeare?

Shakespeare tem um lugar muito especial no meu coração. Cada personagem que interpreto dentro do universo dele me permite expandir minha compreensão da arte e da psicologia humana. Esse é o meu terceiro trabalho com Shakespeare, e sentir que estou me conectando cada vez mais com esse legado é algo que me preenche de orgulho.

Como você se preparou fisicamente e emocionalmente para interpretar Mamillius e Perdita?

Mamillius tem oito anos. Bem no começo, quando eu descobri que ia interpretar ele, eu fiquei me perguntando se o personagem ia ser transformado em uma menina, porque, obviamente, é bem claro que eu sou uma menina — o jeito que eu carrego meu corpo, minha postura e tudo mais. Só que, quando falaram que não, que ia ser um menino mesmo, nossa, foi muita brincadeira!

A gente brincava muito. Eu me trancava no quarto sozinha, ia até nossa professora de movimento, e ela falava: ‘Tá, agora brinca. O que o Mamillius gosta?’. E a gente foi descobrindo. Descobri que o Mamillius gosta muito de aviões. E aí, na cena, a diretora gostou da ideia dos aviões e colocou um de brinquedo que virou tipo o objeto do Mamillius.

A postura, o jeito de carregar o corpo pra cima e pra baixo… Ele é pra cima, ele é estreito. E crianças geralmente têm uma postura muito boa, são abertas — tudo é aberto. Tudo que acontece ao redor afeta. Seja uma palavra, seja alguém coçando a perna na audiência… tudo afeta a criança. E criança é extremamente curiosa.

Créditos: David Monteith-Hodge

Então, eu andava pelo espaço. Às vezes, tirava uns 20 minutos antes do show começar e andava pelo teatro inteiro como ele, ficando completamente apaixonado pelas coisas pequenininhas. Tinha um adesivo na cadeira, e ele ficava cinco minutos olhando aquele adesivo, pensando: ‘Por que tá aqui? Quem botou isso aqui? Qual é a história desse adesivo?’. E isso ajudava muito a interpretar o personagem na cena.”

Já a Perdita, ela é larga, aberta, é natureza, chão, terra. Então quando eu estava explorando o personagem Perdita, eu sempre queria ir para baixo. O que não é uma coisa muito boa para o teatro, mas parece que eu tirava uma raiz do chão, ela era tipo uma árvore aberta, larga. Ela sente muita coisa, só que ela não é tão curiosa quanto o Mamillius. Ela é mais… É centrada. Ela tem o centro de poder dela no abdômen, ela se carrega e leva tudo com ela. Todos os lugares que ela vai leva presença, é muito presente.

Créditos: David Monteith-Hodge

Houve alguma cena que te marcou particularmente durante os ensaios ou apresentações da “The Winter’s Tale”? Por quê?

Uma das cenas que mais me marcou nessa peça foi a cena entre os personagens de Perdita e Florizell. Ele é o pai romântico da Perdita e na nossa peça foi uma menina que interpretou. E tem uma cena que o pai dela chega e fala que não vai ter casamento, que elas não podem ficar juntas mais. E essa foi uma cena muito difícil pra gente agarrar, sabe? Porque é o mundo dela e eu e a atriz que interpretou a Florizell, a Molly a gente tava com uma conexão muito forte e a gente tava trabalhando muito nessa conexão. Então quando chegou o momento de fazer essa cena, a primeira vez que a gente fez, nossa, meu coração se partiu e se quebrava toda vez que repetíamos. Toda vez. Nosso reencontro no final… Nossa, a Mariana saindo depois da cena tinha que tirar uns cinco minutos para se recompor, porque era muito difícil mesmo.

Você já interpretou Lady Macbeth, Cordélia, Mamillius e Perdita. Qual desses papéis mais te desafiou até agora?

Eu acho que fisicamente o estudo corporal, os vídeos que tive que assistir como Mamillius foi mais difícil. Só que Lady Macbeth foi um uma “bomba emocional”. A trajetória dela é fenomenal. Então eu acho que está empatado entre Lady Macbeth e Mamillius,

Qual personagem de Shakespeare ainda é um sonho seu interpretar?

O personagem de Shakespeare que é meu sonho interpretar, é o Hamlet. Eu fiz uma cena de Hamlet na faculdade, e não sei porque, mas eu me identifico muito com ele. Eu me faço essas perguntas filosóficas de, ‘ah, qual o sentido?’, ‘mas por que a gente se importa tanto?’, ‘por que as pessoas são assim?’. E Hamlet, do começo ao fim, ele é reflexão, e acho isso muito interessante, principalmente porque a maioria dos momentos dele é com ele mesmo, e se for no palco é com a audiência. Acho que seria incrível também interpretar Hamlet no cinema, porque seria uma coisa completamente diferente. Você faz Hamlet no palco e recebe da audiência as perguntas que ele faz, você recebe, não que seja uma resposta de verdade da audiência, você recebe a energia. Só que na TV é só ele mesmo, então acho que seria muito interessante fazer isso.

Créditos: David Monteith-Hodge

Como você lida com os desafios da carreira artística sendo tão jovem e atuando em um ambiente internacional?

Sempre fui uma das mais jovens quando fazia teatro musical no Rio  de Janeiro e depois na Escola de Drama, na Inglaterra. Morar sozinha em Londres foi incrível, aprendi a gostar da minha própria companhia e de me virar sozinha, ser organizada e pontual. Acho que este aprendizado vou levar pro resto da vida.

Há alguma rotina ou ritual que você adota antes de entrar em cena?

Eu, desde pequenininha, quando era muito nova, tinha uma mania com uma minha amiga: de pular e bater o pé na bunda várias vezes. E até hoje, sempre que eu vou entrar no palco, eu tenho que estar no mínimo cinco pulinhos tocando o pé na bunda. Não sei por quê, mas virou meu negócio. Eu tenho uma amiga que tem que beijar a mão e aí tocar no chão antes de entrar. Eu tenho meus cinco pulinhos. Eu sempre faço sem falta.

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